Blog da Parábola Editorial

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Língua Portuguesa para nativos

Língua Portuguesa para nativos

 

Um projeto com raízes no espaço escolar 

 

Venho propor, pensando no ensino de língua portuguesa, uma medida endógena, situada em nosso espaço nacional, uma medida um tanto quanto doméstica, por isso mesmo básica. Refiro-me às condições de nossas escolas de ensino da língua portuguesa para nativos. Quero aqui refletir sobre como a escola de cada comunidade brasileira, urbana ou rural, poderia iniciar os estudantes ou (confirmá-los) nos ideais de “promoção, defesa, enriquecimento e  difusão da língua portuguesa como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico, tecnológico e de utilização oficial em fóruns internacionais”, conforme propõe o Instituto Internacional de Língua portuguesa (IILP).

 

Estou buscando operar desde dentro, ou seja, olhar o problema na base das bases, convencida de que a escola, por princípio, constitui a agência por excelência onde a língua se nos apresenta como um objeto de conhecimento explícito, de reflexão teórica, ou como um patrimônio de repertórios informacionais, culturais e artísticos a serem defendidos, enriquecidos e postos em circulação.

 

Com base nos objetivos do IILP e, como disse, “olhando para dentro”, no caso aqui, olhando para a área da educação no Brasil, mais concretamente para o setor do ensino de língua portuguesa, penso que seria de grande valia:

 

  • primeiro, reforçar uma perspectiva de ensino de nossa língua, com bases teóricas mais condizentes com as propostas atuais da teoria linguística, que concebe a linguagem como atividade de interação entre dois ou mais sujeitos, como ação sociodiscursiva, movida por propósitos específicos de comunicação.

  • Segundo, seria de grande valia reforçar uma concepção de linguagem, que é constitutiva da vida social das pessoas e, ao mesmo tempo, por elas constituída, do que resulta, inexoravelmente, sua condição de sistema contextualizado, histórico e, assim, marcado pela condição de ser sempre provisório e conviver, até certo modo, com a instabilidade.

  • Consequentemente, valia a pena reforçar uma visão de língua portuguesa que, mesmo sendo normatizada, submissa às regularidades do sistema,  não deixa de ser atingida pelas circunstâncias histórico-culturais de seus falantes e, por isso, como disse, é flexível e mutável. 

 

Seria pertinente, então, que a escola, em qualquer altura de sua trajetória, inibisse ou mesmo combatesse certos mitos que, infelizmente, ainda são consensuais, sobretudo entre aqueles que passaram pelas escolas. (Curiosamente os analfabetos não acham que “não sabem falar português”). Ou seja, que a escola tivesse como um de seus alvos negar:

 

  • o mito de que a língua portuguesa é uma língua muito difícil; aprendê-la constitui uma tarefa impossível e quase sempre inglória;

  • o mito de que o estudo da língua portuguesa – aquele que a esgota e a valoriza – corresponde ao estudo de sua gramática, quase sempre reduzida ao estudo de nomenclaturas e classificações, mas com tempo ainda para apontar os principais “vícios de linguagem” e suas respectivas correções;

  • o mito de que o convívio com a produção literária é destinada a uma elite privilegiada e dispensa um lugar de destaque na planificação do tempo escolar;

  • o mito, ainda, tão enraizado de que a língua portuguesa ‘verdadeira’ é a variante europeia, da qual as outras são apenas filiações, cujos rumos, infelizmente, já não podem ser controlados.

  • E, na esteira desse último mito, a ideia de que os brasileiros falam mal a língua portuguesa e são historicamente responsáveis pela sua crescente descaracterização, chegando, como creem alguns, a pôr o futuro da língua em risco.

 

Vi postado nas redes sociais, o seguinte comentário: “Que a língua portuguesa é considerada uma das línguas mais difíceis do mundo de se aprender já se sabia. Que lá fora os gringos comentam que é uma língua bonita de se ouvir, melódica, romântica e tal, tudo bem. Mas que mania é essa que os humanos brasileiros têm de assassinar a própria língua quando abrem a boca para falar?” Noutro trecho se dizia: “Aqui no Brasil, lamentavelmente, há uma enorme falta de compromisso com a nossa língua... jogada às traças”.É curioso que a valoração positiva da língua portuguesa é atribuída aos estrangeiros: “lá fora os gringos comentam que é uma língua bonita de se ouvir, melódica, romântica e tal”. Entre nós, ao contrário, ela é vítima de um lento, forçoso e tácito ‘assassinato’, ou, pior, já em decomposição, pois está “jogada às traças”.

 

Lá fora os gringos comentam que é uma língua bonita de se ouvir, melódica, romântica e tal”. Entre nós, ao contrário, ela é vítima de um lento, forçoso e tácito ‘assassinato’

 

Não nos parece que, até agora, a escola, como um todo, tenha recebido a atenção necessária para que movimentos como o da afirmação da língua portuguesa, em relação ao resto do mundo, possam ir nascendo e serem cultivados. Até agora, insisto, a escola não conseguiu alinhar-se pelo pressuposto de que

 

  • a linguagem é condição de desenvolvimento social e econômico;

  • a linguagem é o vetor da produção e da circulação do conhecimento, pois as línguas, que trazem consigo as pessoas, em todos os seus desdobramentos históricos, abrem caminho para todos os setores da atividade humana.

 

É tempo de clamar por uma escola que não mais tivesse entre suas prioridades apontar erros de português, na ilusão de que – um dia – quem sabe, reconquistando o domínio da língua perfeita, chegaremos a um ‘éden linguístico’. Mais: não me parece inoportuno nem mesmo lamentar a lentidão com que essas mudanças empreendem seu curso, já que muitas são as forças – confessadas e não, mas sempre poderosas – que lutam por defender esquemas de teorias sobre a língua que, epistemologicamente, já não fazem sentido nos dias atuais. Ainda: não me parece inoportuno chamar a atenção para as ‘ideologias linguísticas’ que, silenciosamente, corroem o que poderia caracterizar o autêntico interesse pela “promoção, defesa, enriquecimento e  difusão da língua portuguesa como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico, tecnológico”, reitero.

 

Estamos bem; estamos em paz; sem fome e com nossos direitos respeitados!

 

A “imperfeição” da língua portuguesa é, com certeza, a prova de sua vivacidade; a prova de que ela responde às suas finalidades máximas; e, por isso, é capaz de garantir o futuro, aceitando perder a fidelidade ao passado. Somente uma língua viva, em todos os sentidos desse termo, pode pretender, antes de tudo, a troca de bens culturais, a permuta das condições de desenvolvimento, para que mais gente, em mais lugares, livre da dominação deste ou daquele Estado nacional, livre das políticas linguísticas de exclusão, mais gente, repito, falando essa língua, possa dizer: “Estamos bem; estamos em paz; sem fome e com nossos direitos respeitados!”

 

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