TEM QUE LER
Não tinha mais espaço para minha mala de mão na cabine do avião. Olhei daqui e dali, em fração de segundo, e não vislumbrei nada perto da minha cadeira. Acho que alguns perceberam minha cerimônia em ajeitar pacotes dos outros para enfiar meus pertences. Um senhor me deu um toque:
— Tem lá atrás, ó. Eu te ajudo, quer?
Enquanto isso acontecia, eu sustentava minha mala meio no ar, em cima da cabeça de uma senhora, que olhava tudo amedrontada. Alertei:
— Uai, o senhor põe lá? Mas a mala tá pesada...
Ele duvidou, tenho certeza. Olhou incrédulo pra mim, com um sorrisinho meio faceiro por baixo do bigodón. Eu avisei de novo:
— Moço, tá pesado, é livro. Tá cheio de livro aí dentro.
Ele disse um "que nada" e pegou minha mala. Quase a deixou cair na cabeça da dona. Rolou um pânico rápido. A senhora pôs as mãos pra cima, como se fosse segurar um meteoro. Nada demais. Mas ela me odiou, eu sei.
Enquanto eu me sentava, o senhorzinho voltou, dizendo que não conseguiu levantar a mala e que havia pedido a um rapaz mais jovem.
Olhei lá atrás, quase discretamente. Vi minha mala de lado, meio tampada já por umas bolsas. Tudo certo.
Depois que se ajeitou na cadeira e apertou o cinto, o senhor olhou pra mim, sorridente, pra dizer:
— Menina, mas você lê demais, hein?! Como pode?
— É, moço, tem que ler, né?...
Respondi pra desconversar.
Éramos três passageiros em linha: eu na janela; uma moça no meio; o homem no corredor. Mal me recostei na cadeira, a moça do meio sacou um livro e começou a ler, em italiano.
É, moço, tem que ler...