A IDEIA DE CARNAVAL EM BAKHTIN
A IDEIA DE CARNAVAL EM BAKHTIN
O CERTO, O ERRADO E O GALEGO
O Brasil é um continente de analfabetos funcionais. Dizem as pesquisas que seriam quase 70% da população. Se a isso acrescentarmos os analfabetos plenos, é fácil chegar aos 75%. Significa que toda essa imensa população (bem mais de cem milhões de pessoas) tem um escasso domínio das habilidades de leitura, de escrita e de cálculo. Sabemos que essa tragédia educacional é um projeto de nação levado muito a sério pelos reduzidíssimos grupos que detêm o poder político e econômico desde sempre. Num país que tem sua história marcada por três séculos e meio de escravidão e onde jamais ocorreu nenhum tipo de transformação radical das estruturas de poder (leia-se: nunca ocorreu uma revolução), o analfabetismo funcional não é um problema: é um dos muitos pilares de sustentação programada da desigualdade social e econômica, quesito em que o Brasil ocupa a 10a posição num total de 206 países. Aplausos para os escravocratas e seus capitães-do-mato!
A pouca familiaridade da imensa maioria da nossa população com as formas linguísticas consideradas (por quem, aliás?) boas, bonitas e corretas se deve, obviamente, a essa situação catastrófica. As pessoas que têm acesso a essas formas “legítimas” (como diz o sociólogo Pierre Bourdieu) reconhecem de imediato as formas “ilegítimas” (ou seja, erradas) quando elas são enunciadas. Para quem trabalha com educação em geral, e com educação linguística em particular, reconhecer o suposto erro, no entanto, não é suficiente. Do ponto de vista das ciências da linguagem, as formas consideradas erradas não são um resultado da situação de analfabetismo pleno ou funcional de quem as emprega. Seria fácil estabelecer uma relação de causa e consequência do tipo “se a pessoa é analfabeta (funcional), fala errado” ou “a pessoa fala errado porque é analfabeta (funcional)”. Mas essa relação é falaciosa: trata-se de dois fenômenos distintos. Vamos tentar entender por quê.
Cinco ideias falsas
1. “A tradução é impossível.”
Sim, anda por aí uma ideia muito engraçada e que repetimos à exaustão sem pensar muito nela (por exemplo, quando falamos da supostamente intraduzível “saudade”): a tradução, segundo essa ideia, é impossível. Há quem ache que nunca podemos transmitir o que é importante entre as várias línguas — e, no entanto, todos os dias há quem faça traduções e todos nós usamos traduções sem nos apercebermos. É uma actividade “impossível” que afinal é bem possível. A tradução pode ser difícil (claro que é), mas não é impossível: os tradutores lá conseguem desenvencilhar-se melhor do que por aí se julga. E, se pensarem bem, a comunicação é bem mais difícil entre pessoas que falam a mesma língua, mas pensam de formas muito diferentes do que entre pessoas que falam línguas diferentes, mas têm ideias semelhantes.
O leitor Paulo Vieira enviou-me esta mensagem:
Ouvi-o na Prova Oral afirmar que a nossa língua vem do galego e estava agora a ler uma notícia do Público sobre os Lusíadas, a que fez referência no artigo da língua bastarda, e nessa notícia é dito que a obra tem uma forte influência do castelhano, língua que aparentemente era muito usada na corte.
Fiquei interessado e gostava de esclarecer quais as origens da nossa língua. Recomenda algum livro sobre o tema?
Professores que atuam com jovens no ensino médio deparam-se, cada vez mais, com o desafio de apoiá-los para que melhorem suas capacidades de leitura e de escrita, ampliem suas possibilidades de usar a linguagem, seja ela verbal ou não verbal, em especial dentro da escola, mas também fora dela. Mesmo que a formação específica desses professores não seja em língua portuguesa, não devem desconsiderar esse desafio ou evitá-lo.
Trabalhar com a produção de textos, estimular a oralidade, incentivar as mais diferentes leituras é tarefa de todas as disciplinas. Com mais ou menos dificuldades, acreditamos que todos os professores podem atuar ampliando as capacidades de linguagem dos seus alunos, das mais variadas maneiras. Assumir tal desafio exige, antes de mais nada, assumir que nunca estamos prontos como professores. Se, como dizia Paulo Freire, é “experimentando-nos no mundo que nos fazemos”, podemos dizer que é “experimentando-nos com os alunos que nos fazemos professores”.
O título desta obra sugere complexidade, novas tendências, domínio de habilidades comunicativas no campo tecnológico; em contrapartida, a linguagem é simples, até mesmo para quem não se considere habilidoso com as tecnologias neste mundo digitalmente conectado. Por exemplo, ao explicar o que são aplicativos ou apps, lemos: “Pedacinhos de software baixados da internet” (p. 20), sendo que software fora definido na página anterior, permitindo envolvimento, familiarização e conhecimento para diversos leitores, algo que contribui muito com quem não tenha domínio da tecnologia.
Num momento em que os sistemas de avaliação no Brasil apresentam resultados não tão satisfatórios, Letramentos digitais nos apresenta práticas emergentes no ensino da língua.
“Pedacinhos de software baixados da internet”
Traduzir e… resolver problemas
Poucas pessoas fora do sector da tradução sabem disto, mas o trabalho do tradutor implica resolver problemas todos os dias. Aliás, podemos descrever tudo o que fazemos como um processo complexo de resolução de problemas. Pelo menos, de resolução do problema específico do cliente: o facto de ser necessário comunicar em várias línguas diferentes. Somos especialistas em apresentar soluções para esse problema genérico.
Para começar, temos os problemas que cada tradução apresenta. Como traduzir esta frase? Será que devo traduzir o nome desta instituição? Está aqui uma referência à cultura original: devo deixar como está ou adaptar à cultura de destino? Qual será o termo correcto? Onde posso encontrar o melhor glossário para este trabalho? Estes problemas, acreditem ou não, são os mais simples de resolver. Podemos dizer que foi para os resolver que andámos todos a estudar e a trabalhar.
Depois, temos os problemas criados pelos clientes: os prazos, muitas vezes absurdos para quem sabe quanto tempo demora o processo de tradução. As instruções, muitas vezes difíceis de compreender. As dúvidas por resolver… As alterações de última hora… Uma infinidade de problemas. São problemas complicados, mas têm solução; e quando não têm solução, resolvidos estão.
devo deixar como está ou adaptar à cultura de destino
Um conselho: “Invista no seu domínio da língua”
Um conselho para quem quiser: invista no seu domínio da língua. Faz toda a diferença. Em qualquer área. Isso não quer dizer saber gramática, diga-se. Também isso, mas língua é mais do que isso. Língua é saber usar com propriedade a variante padrão do idioma, que é a forma de investimento social. Mas é fundamental saber e compreender – e aceitar – que há variações de registros, estilos, figuras. Que o certo e o errado são conjunturais. Transitar nisso tudo nos faz poliglotas na própria língua. Saber usar a língua é igual a dançar. Nada mais lindo do que ver alguém dançando forró com propriedade. E valsa. E samba. E funk. Quanto mais estilos, melhor. Isso é língua. E, como eu disse, faz toda a diferença.
O desenvolvimento das pesquisas científicas sobre a linguagem tem proporcionado a contestação de vários dogmas cristalizados no imaginário comum quando o assunto é a língua e o uso que se faz dela. Apesar dos esforços, não é de espantar que haja ainda muita confusão, seja com relação ao trabalho do linguista (tachado por muitos como defensor de um “vale-tudo”), seja com relação a conceitos que ultrapassaram as fronteiras da ciência e caíram de paraquedas em esferas outras, como a escolar.
Se à escola cabe a divulgação dos saberes também científicos, vale a pena questionar a dificuldade que a Linguística encontra em se fazer integralmente presente no material didático disponibilizado aos estudantes. No entanto, o intuito da presente reflexão não é analisar os empecilhos com os quais se depara a ciência da linguagem para se firmar nos anuais escolares. Ao contrário, será analisado o trato de um termo que já se encontra “assentado” na educação básica: a norma.
Antes, é necessário fazer uma incursão histórica à década de 1960, que assistiu à divulgação mais expressiva dos estudos linguísticos, sobretudo por meio de sua introdução nos cursos de Letras. Na mesma época, também houve um aumento na produção de materiais didáticos, cujas finalidades eram duas principais:
(a) preencher uma lacuna da formação dos professores, tidos, já àquela altura, como profissionais que não estavam sendo formados de modo “adequado”;
(b) formar classes mais populares, por conta da demanda de escolarização por parte do processo industrial que se intensificara (González, apud Zilles e Faraco, 2015: 228)
PORTUGUÊS BRASILEIRO E SOCIEDADE NO BRASIL: debate histórico e político
DICIONÁRIO CRÍTICO DE SOCIOLINGUÍSTICA, de Marcos Bagno, e HISTÓRIA SOCIO POLÍTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA, de Carlos Alberto Faraco, foram lançados em evento no Memorial da América Latina.
Uma leitura instigante
Acabei de ler Ensinar na Universidade – conselhos práticos, dicas, métodos pedagógicos. O livro, do professor Markus Brauer, foi escrito em francês e traduzido para o alemão, o espanhol e o português brasileiro para a Parábola Editorial (São Paulo, 2012), em tradução correta e detalhista de Marcos Marcionilo [http://bit.ly/2vsYhvb].
O que são atividades, tarefas ou exercícios na aula de Língua Portuguesa?
Parece provocação, mas precisamos revisitar o óbvio: o que são atividades, tarefas ou exercícios na aula de Língua Portuguesa? Utilizamos essa nomenclatura há muito tempo e agimos como se os sentidos estivessem estabilizados e como se todos, iniciantes e veteranos, ao usarem as mesmas expressões, se referissem aos mesmos objetos. Na realidade, porém, a elaboração de atividades e tarefas ou exercícios na formação do professor de português é um aspecto não tematizado como parte de um saber profissional.
Sem dúvida, elaborar atividades e tarefas ou exercícios é inerente à atuação docente. Mas em que momento da formação inicial esse aprendizado é sistematizado? A crença tácita na área é a de que os professores de Prática de Ensino ou os orientadores/supervisores de estágio devem se encarregar de ensiná-lo. A depender de como essa etapa da formação está organizada, espera-se que o(s) professor(es) de Didática tenha(m) abordado tal assunto em suas aulas. Mesmo que os professores de prática de ensino ou supervisores de estágio docente assumam a responsabilidade de ensinar a seus estagiários como formular exercícios, o tempo é quase sempre reduzido e são elaboradas poucas atividades. A observação geral sobre nossa atuação tem demonstrado que tal sistematização deveria começar desde as primeiras disciplinas da licenciatura.
A recepção dos estrangeirismos no comércio
Com respeito à presença de vocábulos na maior parte oriundos da língua inglesa no português brasileiro, comumente observados em nomes de empresas, estabelecimentos comerciais, além de cartazes e anúncios em vitrines de lojas, lembro-me que, ao tomar café de manhã na “Padaria Breadway”, num belo dia de verão, numa cidade praieira no litoral paulista, e ao abrir a Folha de S.Paulo de 6 de janeiro 2000, vi meu texto “Língua pasteurizada” publicado na página 3 de “Tendências e Debates” (Schmitz, 2000a).
Um modelo fractal
Os modelos de aquisição de línguas não contemplam todos os processos envolvidos na aquisição de uma língua, muito menos, os de uma língua estrangeira. Vejo esses modelos como visões fragmentadas de partes de um mesmo sistema. Embora seja possível teorizar sobre a existência de alguns padrões gerais de aquisição, cada pessoa tem as suas características individuais, sendo impossível descrever todas as possibilidades desse fenômeno. Há variações biológicas, de inteligência, aptidão, atitude, idade, estilos cognitivos, motivação, personalidade e de fatores afetivos, além das variações do contexto onde ocorrem os processos de aprendizagem ─ quantidade/qualidade de input disponível, distância social, tipo e intensidade de feedback, cultura, estereótipos, entre outros.
O livro que faz amar os livros mesmo que você não goste de ler!
Nem 1% dos leitores da Parábola Editorial, muitos dos muitos mais que nos acompanham [odeio a palavra “seguidores”], se deu conta do lançamento de O livro que faz amar os livros mesmo que você não goste de ler!, em agosto de 2014, de Françoize Boucher.
O que eles gostam de ler?
Pesquisa mostra que estudantes escolhem a tira como leitura preferida
Os primeiros dias de 2014 trouxeram uma pesquisa com resultados reveladores e que dão muito o que pensar. O estudo revela que as “narrativas em tiras” (voltaremos a essa expressão já, já) são a leitura preferida dos estudantes da rede pública de ensino de São Paulo.
Quando nasce uma língua nova?
A grande maioria das pessoas acredita que definir o que seja uma “língua” é algo fácil e cômodo, e que os linguistas sabem com precisão onde termina uma língua e onde começa outra. Nada mais distante da verdade! Isso porque a definição de “língua” escapa das mãos dos linguistas — que há séculos confessam ser impossível enunciá-la — e vai pousar no terreno pantanoso daquilo que se chama ideologia. Sim, a definição do que é uma “língua” tem muitíssimo mais a ver com questões políticas, religiosas, identitárias etc. do que com questões propriamente linguísticas, isto é, fonético-fonológicas, morfossintáticas, lexicais etc.
A sociolinguística costuma ser definida como um ramo interdisciplinar nos estudos da linguagem. Para entendermos onde repousa essa interdisciplinaridade, vamos remontar sucintamente a suas raízes e discutir as subáreas que se abrigam sob a denominação sociolinguística.
Em meados do século XX, muitos estudiosos de linguística na Europa, palco de duas guerras mundiais, fixaram residência nos Estados Unidos. Eram pesquisadores renomados, com formação advinda da linguística saussuriana e do Círculo Linguístico de Praga.
Um sistema semiótico infinito
Analisar cientificamente uma língua não é nada fácil. Os linguistas, que são os estudiosos que se dedicam profissionalmente a esta tarefa, sabem disso muito bem porque se deparam continuamente com as inesgotáveis complexidades estruturais e funcionais da língua.
Para se ter uma ideia dessa complexidade, basta lembrar que qualquer língua é uma realidade infinita. Entendamos bem isso. O número de sons da fala de que se serve uma língua é finito (em torno de três dezenas). O número de suas palavras (ainda que imenso) é finito (calcula-se que uma língua como o português brasileiro tem algo em torno de meio milhão de palavras). O número de regras com as quais organizamos os enunciados é também finito (embora não tenhamos ainda ideia clara de sua quantidade).