Em geral, os estudos sobre as questões linguísticas na escola costumam reduzir demais os fatos – lexicais ou gramaticais –, tornando-os simplistas e, muitas vezes, falseados. Essa redução acontece de forma muito clara quando se trata de explorar as áreas da sintaxe e semântica. Comumente, as explicações se restringem a descrições abreviadas dos fatos, com ênfase na nomenclatura atribuída a eles. Além disso, tais fatos também sofrem um corte, limitando o alcance de suas funções na compreensão dos sentidos que se pretende expressar em situações reais da interlocução.
Por exemplo: nos programas escolares é comum que o estudo da sintaxe se restrinja às normas da concordância verbo-nominal. No que tange à questão da ‘colocação’ das palavras na sequência da frase, outro ponto da sintaxe, o tópico que tem merecido atenção se esgota no estudo da colocação dos pronomes, se vem antes, no meio ou depois do verbo. É comum, ainda, que o estudo da semântica se restrinja a umas poucas atividades em torno de sinônimos e de antônimos, com pouca consideração à condição polissêmica das palavras, ao uso generalizado e tão produtivo das metáforas e da metonímia. Nem mesmo os textos literários estimulam um estudo da semântica mais significativo.
Ou seja, o estudo de sintaxe e semântica tem sido alvo de uma notável redução e, consequentemente, de um grande simplismo. Sem contar que as atividades, supostamente, de ‘análise sintática’ ou de ‘análise semântica’ se restringem à simples rotulação dos termos constituintes de frases descontextualizadas, desvinculadas, assim, dos sentidos realmente expressos, isto é, fora de qualquer intervenção da semântica.
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Ou seja, as análises sintáticas que acontecem na escola são dadas como dogmaticamente certas, como se, no âmbito dos usos sociais da linguagem, tudo funcionasse com toda a inalterabilidade e fixação dos esquemas mecânicos e inflexíveis. As análises semânticas – além de raras – caem na mesma pretensão: a de supor que todos os fenômenos linguísticos são sempre indiscutivelmente exatos. Daí, a partir de listas de palavras soltas, ocorre, com grande frequência, a proposta de substituir uma palavra por outra sinônima, o que nem sempre pode ter consistência.
A sintaxe, como se sabe, corresponde àquela parte dos sistemas linguísticos que regula a arrumação das palavras na sequência das frases, de modo que resultem em um objeto interpretável ou inteligível, e possa ser reconhecido como uma ação de linguagem; isto é, como algo que expressa um sentido e uma intenção. Essa ‘arrumação’ obedece a padrões que põem as unidades em relação entre si, estabelecendo, entre elas, a continuidade e a unidade requeridas pelo seu funcionamento interativo, permitindo vincular sintaxe e semântica. |
Em cada língua, os paradigmas estabelecidos pela sintaxe definem quais sequências de palavras são aceitáveis, o que está longe de constituir uma dificuldade para os falantes nativos, uma vez que a aprendizagem ordinária da língua promove um domínio satisfatório desses paradigmas. Nenhum falante, mesmo aquele com o mais baixo nível de letramento, constrói sequências do tipo:
*“Sucessos todos de os maiores tempos você ver pode programa próximo no”.
Qualquer falante da língua sabe que a forma ‘no’ nunca ocorre em final de frase. Assim, essa construção não seria interpretável, o que, mais uma vez, revela a incondicional interação entre sintaxe e semântica. Na verdade, nos usos que se faz da linguagem, são indissociáveis. Nem apenas a sintaxe, nem apenas a semântica.
As palavras – enquanto unidades isoladas, “em estado de dicionário”, como fala o poeta João Cabral –, têm apenas sentido (ou sentidos) em potencial. É no âmbito da sintaxe, no eixo da realização interativa, que os sentidos das unidades se atualizam, ou seja, saem do campo das possibilidades para o campo das atualizações. Como componentes da linguagem, somente são isoláveis do ponto de vista metodológico, ou seja, como itens de análise; mesmo assim, em função de uma melhor compreensão de ambos os componentes.
Tem todo sentido, portanto, a disposição de tomar sintaxe e semântica como aliadas na busca de um maior entendimento de como o fenômeno linguístico funciona na prática da interação comunicativa. Essa disposição tem como pressuposto a convicção de que somente no eixo do texto é possível surpreender a linguagem verbal em toda a sua complexidade e autenticidade.