Por que é difícil incentivar o hábito de leitura na transição da infância para a adolescência?

Os momentos de transição implicam desafios que podem gerar dificuldades. Cada um de nós é produto de um emaranhado da história pessoal e da história coletiva.

Silviane Barbato e Mila Jungr

1/13/20254 min read

Desafios da transição da infância à adolescência

Os momentos de transição implicam desafios que podem gerar dificuldades. Cada um de nós é produto de um emaranhado da história pessoal e da história coletiva, e esse diálogo entre a pessoa, as comunidades das quais faz parte e a cultural societal vai gerando novas formas de sentir e atuar no mundo.

As transições são dinamogênicas, isto é, geram desenvolvimento e abrem possibilidades de mudança. As dificuldades podem ser enfrentadas e, com a compreensão do que está ocorrendo, podemos produzir novas formas de fazer com foco na inclusão de todos. Estratégias e modos de enfrentamento podem ser ensinados, abrindo-se espaço para a expressão pessoal das crianças em transição e incentivando a produção da autonomia, independência intelectual e da colaboração em grupo.

No diálogo com a criança em transição, busca-se compreender o que a mobiliza, do que ela gosta e aquilo que ela faz bem, utilizando esse conhecimento como instrumento mediador de novas práticas de leitura e decisões sobre as bases para novas atuações, considerando o que é solicitado num dado momento pelo coletivo (por exemplo, a escola ou a família) e sua trajetória pessoal.

As preferências estão relacionadas às mudanças na transição

Nessa transição, o corpo está se transformando, as amizades passam a ser cada vez mais orientadas pelo sentido de pertencimento ou pela busca de pertencimento, de acordo com certas afinidades de grupo. Curiosidade, exploração e discussão orientam as preferências de atuação e ampliam as possibilidades de desenvolvimento e leituras de textos em diferentes gêneros textuais e graus de dificuldade.

Em nossas conversas por Whatsapp, Mila lembra que quando era pré-adolescente, gostava muito de livros nos quais conseguisse se enxergar. Por exemplo, O querido diário otário, que conta diariamente a vida de uma pré-adolescente e suas novas experiências.

Agora, aos 16 anos, ela lê de tudo, desde romance até terror, e resume: ama ler e diz que é mais fácil ler um livro simplesmente por querer ler do que quando é uma obrigação da escola.

Antigamente, só gostava de ler livros do tipo “comédia” ou fábulas e histórias infantis. Agora, gosta muito de livros bons, independente do gênero. Gosta de livros que prendam a atenção, fazendo com que não queira parar de ler.

Continua amando livros de romance, mas está mais na vibe da ficção e do terror. Porém, se lê um resumo e gosta, compra o livro, seja qual for o gênero.

Desde sempre, a mãe lê para ela, e Mila acha que isso a ajudou a manter o hábito da leitura, mas a escola também a ajudou a gostar de ler, pois a fazia ler pelo menos um livro por mês. Mesmo sendo mais legal ler sem ser obrigada, a escola ajudou.

Conta que no antigo colégio, eles fazem até hoje a ciranda de livros, com a leitura de 8 livros (porque são 8 meses de aula) que rodam pela turma toda e mais um por trimestre. Então, todo mês, cada aluno lê um livro diferente e, no final do ano, leu os 8 mensais adicionados a mais 4, trimestrais.

Eu também gostava de ler ficção científica e literatura fantástica. Gostava de experimentar emoções fortes que me possibilitassem tentar prever o que ia acontecer em seguida, que me deixassem tão curiosa que não quisesse parar de ler até chegar ao fim, dia e noite. Explorava o desconhecido, história antiga, línguas mortas, alquimia, ficção científica, seres mágicos, milagres e histórias de aventuras, astronomia, fábulas indígenas, cosmogonias. Era como se eu alimentasse minha criatividade mergulhando no fantástico, nas diversas possibilidades, inclusive nas ambivalências das personagens.

Na época da minha mãe, eles liam os grandes escritores e muito jornal: Machado de Assis, Dostoievsky, Eça de Queiroz, que também li porque estavam à mão nas estantes de casa e porque a escola pedia. Também havia leituras de beleza e moda, como temos hoje, e folhetins românticos. Na adolescência, o que mais me agradava, e penso que iluminou meu caminho ao tornar-me cientista, foram os livros que juntavam ciência e arte: fascinante!

O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse, que também escreveu O Lobo da Estepe. A literatura de ficção ambientada nas diferentes épocas da história do Brasil, o que não se resolvia, O Estrangeiro. E, claro, Kafka, já preanunciando minhas preferências pelo desconjuntado, pelo polifônico, pelas múltiplas possibilidades e não linearidade.

Meus filhos, nesta transição, começaram a utilizar jogos de vídeo e, lendo as histórias, praticavam inglês. Adoravam colecionar álbuns de figurinha e cartas com pokemons. Lemos em grupo os três volumes iniciais do Harry Potter, em voz alta, acampados. Gostavam dos contos fantásticos, de Edgar Allan Poe, dos poetas brasileiros e de Machado.

Lembro-me da descoberta de que os livros para adolescentes não tinham figuras e me perguntava: por que deixamos de ler em grupo em sala de aula? Por que a professora lia cada vez menos com a gente? Por que a leitura era dever de casa? Por que os professores de língua portuguesa e literatura passavam a explorar menos as leituras coletivas e em grupo ou duplas, e poucas vezes deixam tempo para discussões?

Na era da convergência, o foco está na produção de intertextualidades, desenvolvendo cenários, algum personagem ou a própria obra para além do livro, em blogs fechados somente para a leitura da escola e das famílias. Produções de materiais multimodais que possam ser compartilhados durante a tarefa, nas feiras organizadas na escola, plataformas e outros espaços criados na internet, de acordo com os interesses dos estudantes, com atenção à segurança.

Com diálogo, observação e identificação de preferências, é possível motivar as crianças em transição a lerem e ensiná-las a enfrentar os desafios. A leitura é atividade que abre possibilidades de interpretação crítica do mundo e instrumento de acesso aos diversos conhecimentos. Tornar a leitura prática de vida amplia as possibilidades de exploração da imaginação e a produção de lógicas de pensar e de relações entre conhecimentos.

Silviane Barbato, professora associada do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB). Pesquisadora do CNPq, autora pela Parábola do livro: Integração de crianças de 6 anos ao ensino fundamental Integração de crianças de 6 anos ao ensino fundamental

Mila Junger [estudante de Ensino Médio