A pandemia de covid-19 e o ensino remoto fizeram com que toda a sociedade se mobilizasse para discutir, entre outras prioridades, a defasagem do aprendizado na educação básica e os efeitos desse período tenebroso na saúde mental de nossos jovens e adolescentes. Por outro lado, sistemas de ensino em todo o país, seja no setor público seja no privado, voltaram-se para suas próprias estruturas a fim de avaliar os danos e as medidas de remediação, afinal houve aumento de evasão escolar ali e de inadimplência acolá. Só agora, e torço muito para que isso seja uma sensação isolada, é que outro vértice do chão da escola está sendo notado: o profissional de educação. E isso ocorre à base do aumento de
(a) casos de esgotamento físico e mental;
(b) aumento de casos de violência física que vitimam professores;
(c) iminente cenário de apagão de docentes na educação brasileira.
Não à toa muitos professores têm a nítida sensação de que não descansam há 4 anos.
Tenho feito essas reflexões porque, desde 2020, atuo na formação docente, especialmente no uso de tecnologias educacionais e, mais recentemente, na utilização da inteligência artificial.
Hoje, é impossível pensar a formação de professores sem discutir saúde mental de maneira direta. E a saúde mental dos professores está diretamente conectada à dos alunos. Por isso é preciso compreender quem são geracionalmente nossos alunos hoje. Afinal, se quando eu era aluno já era difícil ficar em sala de aula durante seis, sete horas seguidas, absorvendo conteúdo ou assistindo a conteúdos de maneira disciplinada a partir daquele conceito de disciplina que tínhamos e que ainda perdura, imagine nos dias de hoje, em que estamos, tanto em nível geracional quanto social, viciados em dopamina, em telas e em atualizações constantes. Desafios antigos e nunca encarados ganharam ainda mais corpo, à medida que novos problemas, tão contemporâneos quando nossa dificuldade de ligar com eles, surgiram.
Assim, de diversos modos, estar em sala de aula hoje é muito mais desafiador do que já foi, porque hoje é preciso convencer de maneira muito mais intensa e mais repetitiva os alunos de que é importante estar em sala de aula. E, para isso, do professor são cobrados metodologias, inovações, interações e outros formatos de atividades. Mas isso, em algum momento, vai cansar, especialmente porque essa geração de adolescentes tende a não responder tão rapidamente a alguns estímulos sugeridos, mesmo que sejam inovadores, não tradicionais.
É difícil concorrer com um feed infinito de novos conteúdos selecionados a partir de metadados compilados com o objetivo de manter a atenção pelo máximo de tempo possível. O processo de ensino-aprendizagem é positivamente mais lento e, por vezes, entediante, porque o tédio, no fim das contas, também é parte constituinte da vida off-line. Muitas vezes, o resultado de uma prática pedagógica ou de uma metodologia posta em prática em sala de aula hoje só vai surtir efeitos nos próximos meses ou até mesmo na próxima série em que os alunos estiverem.
O tempo entre semear e colher, inclusive, cansa, como qualquer trabalho a longo prazo, porque esperançar é um exercício árduo e, justamente na educação, não devia ser solitário. Trabalhar à espera de um resultado que vem só depois de um longo prazo é cansativo porque você não tem certeza de que o seu trabalho vai ter algum efeito real na vida de seus estudantes. Então, é preciso trabalhar hoje com a convicção de que um efeito cascata poderá ajudar a formar bem e integralmente nossos estudantes. Na trajetória de professores experientes, essa convicção é alimentada pelos resultados obtidos durante práticas anteriores de sala de aula. Por isso, o começo da carreira docente é tão angustiante, porque falta passado e repertório para os resultados e suas expectativas serem confrontados.
Muitos professores têm desistido da sala de aula ou migrado para o conteúdo digital não só em busca de um reconhecimento financeiro mais justo, mas também por conta do cansaço inerente à prática da sala de aula em si mesma. Precisamos perceber que não estamos sozinhos na responsabilidade de lidar com os desafios dos novos tempos. Nesse sentido, dois movimentos são fundamentais: manter-nos firmes, consistentes e fiéis aos processos de autoavaliação, já que, quando uma autoavaliação objetiva, contínua e consistente é feita, surgem parâmetros reais que balizam a prática e mostram se, de fato, o professor está sendo afetado pelo desânimo. Em seguida, é essencial tentar, ao máximo, não nos isolar, procurando colegas com os quais possamos conversar de maneira aberta e honesta, não só para falar, mas para ouvir também e, dessa forma, não nos sentir isolados no cansaço, e, de alguma forma, unir-nos enquanto categoria.
Às vezes, o que nos cansa mais é o silêncio ou o silenciamento, o não ter com quem conversar e compartilhar. O que não dispensa o acompanhamento de um profissional da psicologia/psicanálise e não somente quando as dores ficam muito fortes ou difíceis de carregar, mas para a própria manutenção da saúde mental. Terapia ajuda a ter uma perspectiva diversa daquilo que, sozinhos, não conseguimos acessar. Infelizmente, nem todo mundo consegue acesso a esse espaço de cuidado, seja por motivos financeiros ou por falta de tempo. Mas a importância do cuidado é constatação irrefutável desses nossos tempos. Na ausência ou até mesmo na presença de uma terapia, no entanto, o diálogo com colegas que possam compreender a sua realidade e cujas realidades você possa compreender é fundamental.