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Letramento literário

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BAKHTIN E O CRONOTOPO

 

A Parábola tem em seu catálogo obras fundamentais, mas ainda pouco conhecidas. Agora mesmo, no momento em que ultimamos a edição brasileira de Mikhail Bakhtin, de Alastair Renfrew, a ser publicada ainda este ano, queremos destacar a presença em nosso catálogo de uma obra intitulada Bakhtin e o cronotopo — Reflexões, aplicações, perspectivas, tradução publicada em novembro de 2015.

 

Queremos chamar a atenção dos leitores e estudiosos de Bakhtin para essa edição, por conta de seu alcance e de sua fecundidade para os estudos bakhtinianos, antes da próxima publicação de Mikhail Bakhtin (Renfrew, 2017).

 

Por que insistir na categoria do cronotopo?

 

As pesquisas sobre o conceito de cronotopo têm sido, e ainda são, um bem-vindo acréscimo aos estudos bakhtinianos.

 

Primeiramente, o campo dos problemas relacionados aos cronotopos transcende as abordagens acadêmicas dos estudos culturais dos anos 1980 e 1990. A discussão acadêmica do conceito de “carnavalização”, como uma subcorrente subversiva da modernidade “descoberta” por Bakhtin na literatura de Rabelais a Dostoiévski, negligenciaram as particularidades da imaginação literária, tanto quanto as mais destacadas funções epistemológicas das obras literárias. 

 

Bakhtin demonstrou como a literatura pode nos ajudar a reconhecer o fato de que, no curso da história cultural, transformações no conceito de tempo e nas representações espaciais refletem mudanças radicais nas atitudes culturais e na experiência vivida. 

 

A segunda razão é que o conceito de cronotopo nos ajudou a entender mais profunda e completamente os conceitos de “dialogismo” e de “heteroglossia” ao conectar a comunicação literária com unidades imaginativas concretas e padrões de gênero. 

 

A literatura, portanto, não é simplesmente um fenômeno ideativo, mas deve ser considerada como um instrumento epistemológico singular, ligado a atitudes intelectuais, imaginativas e emocionais.

 

Além disso, o valor do conceito de cronotopo também é relevante para além da crítica bakhtiniana, porque pode ser facilmente vinculado a questões que desempenham um papel inovador na crítica literária.  Mesmo que o conceito tenha sido frequentemente mal utilizado para disfarçar pesquisas temáticas ultrapassadas, as intuições bakhtinianas básicas se encaixam nas reflexões sobre as construções do mundo ficcional, centrais nas recentes pesquisas narratológicas. 

 

O conceito de cronotopo antecipa a virada ética nos estudos literários. Apontando para a qualidade imaginativa das representações literárias, o estudo dos cronotopos nos ajuda a entender que a mimese literária se fundamenta em um mundo ficcional valorado e emocionalmente vivenciado. Embora a teoria bakhtiniana do cronotopo seja frequentemente mal interpretada como uma ferramenta pseudoformalista, ela não está ligada apenas ao aspecto referencial da literatura. Ela não se dirige somente à percepção do mundo ficcional, mas também aponta para o encaixamento espaciotemporal da ação humana, oferecendo uma melhor compreensão de como a humanidade atua em seus biotopos e semiosferas. Embora a teoria bakhtiniana se encontre, neste ponto, bastante subdesenvolvida e até prematura, há impulsos suficientes em seus escritos para nos permitir dizer que ela serve como uma ferramenta analítica que visa entender como a literatura pensa a ação humana de maneira profundamente ética.

 

Investigações sobre a conexão entre os cronotopos e a ação são, provavelmente, uma das mais promissoras linhas da pesquisa futura.

 

Especificamente no Brasil, estudos mais sistemáticos sobre a categoria do espaço surgem no final dos anos 1990. A partir daí, dissertações e teses começam a ser defendidas e, na era digital, muitas delas se encontram disponíveis para o grande público. Os grandes congressos da área da literatura também sentiram o influxo dessa preferência pelo espaço em relação ao tempo. Além dos congressos, diversos livros sobre o espaço literário foram publicados e muitas revistas também lançaram dossiês a respeito do espaço na literatura. Hoje podemos afirmar que no Brasil existe um material teórico abundante a respeito dessa categoria narrativa.

 

A balança deixou de pender de um lado e passou para o outro. Com essa mudança, indo do tempo para o espaço, não podemos esquecer a instigante ideia bakhtiniana do cronotopo nem o fato de que a balança permanece desequilibrada. Os textos de Bakhtin sobre o cronotopo só foram publicados em 1975, em russo. No Brasil, surgem a partir de 1988. Entre 1937 e 1938, Bakhtin escreveu o texto Formas de tempo e de cronotopo no romance — ensaios de poética histórica (FTCR). Em 1973, acrescentou um texto ao final daquele primeiro a que chamou de “Observações finais”. Esse ensaio aparece no livro Questões de literatura e estética publicado no Brasil pela primeira vez em 1988. Além do texto FTCR, o estudioso russo disserta sobre o cronotopo no texto “O romance de educação na história do realismo” (REHR), que se encontra no livro Estética da criação verbal. Esse texto foi escrito entre 1936 e 1938. Portanto, é provável que ele tenha sido escrito na sequência do primeiro que mencionamos, formando um todo. Esses são os dois únicos textos em que Bakhtin trabalha explicitamente com a noção de cronotopo, mas não são os únicos, como está demonstrado em nosso Bakhtin e o cronotopo, obra em que a tematização de espaço e tempo se encontram. 

 

Apesar da origem remota dos textos (anos 1930) e da publicação relativamente recente (anos 1970/1980), a teoria do cronotopo teve pouca repercussão nos países europeus de modo geral e, especificamente, no Brasil.

 

Em nosso país, a teoria do cronotopo permanece secundária nos estudos literários. Ao que tudo indica, "Bakhtin e o cronotopo - Reflexões, aplicações, perspectivas" é o primeiro livro cujo tema principal é a teoria de Bakhtin sobre o cronotopo, e o aborda de maneira bastante abrangente.

 

Esperamos que ele seja o primeiro de muitos, pois o cronotopo parece ser um caminho natural para o desequilíbrio da balança teórico-filosófica no campo da teoria literária. Temos a convicção de que a ideia do cronotopo é extremamente fértil no campo dos estudos literários e que os pesquisadores têm pela frente um campo quase virgem para descobrir novas ideias e perspectivas.


 

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