o curso de letras

Vamos sair da teoria e entrar na prática?

 

Um amigo pelo qual tenho enorme consideração e grande respeito pelo seu trabalho e inteligência me pediu que escrevesse sobre os aprendizados que um estudante de Letras pode adquirir trabalhando no meio editorial. Pensei se deveria mesmo escrever; afinal, seria para um blog cheio de teses, artigos acadêmicos, textos de pessoas cultas, doutores, autores renomados...


Mas daí me lembrei de tantos estagiários que já passaram por mim em mais de vinte anos na área editorial. Então, resolvi escrever um texto simples e direto para aqueles estudantes que, além de desejarem aprender coisas novas, querem entender como poderão aplicar alguns conhecimentos teóricos adquiridos na faculdade em sua vida profissional. E são muitas as áreas em que eles poderão atuar no futuro; afinal, o curso de Letras abre várias possibilidades de profissões. E na área editorial há diversas delas.


Muitos estudantes, ao se formarem, optam pela nobre carreira de professor. Ou pela continuidade da vida acadêmica, seguindo cursos de mestrado e doutorado, desenvolvendo pesquisas, publicando artigos e até mesmo livros, mas, provavelmente, também sendo professores. Essa profissão, porém, não tem seduzido muitos formados atualmente, independentemente da formação acadêmica. O que é uma pena, pois todos precisamos de bons professores para sermos bons em nossas profissões.


Fato é que quem estuda Letras gosta de ler, sabe interpretar com propriedade o que lê, sabe transmitir com clareza o que lê e, provavelmente, escreve bem. Ou, pelo menos, aprende a fazer tudo isso na faculdade. Ou deveria aprender. Por esse motivo, há diversas possibilidades profissionais para os estudantes de Letras, e muitas delas estão no mercado editorial

 

1. O EDITORIAL


A maioria dos estagiários com os quais trabalhei chegaram até mim sem saber praticamente nada da área editorial. Traziam na bagagem apenas a leitura de bons livros e bons autores, o que é imprescindível para quem cursa Letras. Na verdade, muitos não tinham tido nenhuma experiência profissional, em nenhuma área. Algo comum hoje em dia, quando o primeiro emprego é o estágio universitário.


Geralmente, no entanto, esses estudantes tinham bons conhecimentos teóricos e, os que chegavam empolgados, ficavam para o estágio. E em pouco tempo vivenciando a rotina editorial e o ambiente acolhedor e descontraído que normalmente uma editora tem, se encantavam. E queriam mais. E quando saíam da editora, queriam continuar nesse meio, não mais apenas consumindo, e sim produzindo livros.


Esse é realmente um universo encantador, mesmo sem o glamour que se imagina. Glamour que um dia já existiu, como mostrado no belíssimo filme O mestre dos gênios (Genius, 2016), imperdível – e eu diria até obrigatório – para todo profissional da área editorial. Aliás, parênteses aqui: que maravilha seria editar como Max Perkins... levar o tempo que fosse preciso para se envolver com o texto, com o autor e só então publicar a obra perfeita! Tempo que não existe mais...


Mas, enfim, como os estudantes de Letras podem ajudar no processo editorial de livros ou que conhecimentos eles podem adquirir estagiando numa editora?


Literatura infantilliteratura juvenillivros didáticos, paradidáticos, obras de referência, romances para adultos, livros para professores, livros de gastronomia, livros interativos, livros para quem ama as letras (!). Seja qual for a linha editorial, há diversas possibilidades de aprendizado em qualquer editora. Cito, um pouco mais abaixo, exemplos de trabalho que o estudante de Letras pode fazer em algumas dessas linhas.

Também não importa qual seja a apresentação do livro: impresso, digital, audiolivro. Há possibilidade de trabalhar com desenvolvimento de material em CD ou DVD que complemente o livro físico e, até mesmo, com desenvolvimento de projetos de ensino a distância. Uma editora é provedora de conteúdo e é responsável pelo desenvolvimento desse conteúdo até a sua melhor apresentação ao leitor.

O estagiário de Letras pode trabalhar em várias áreas numa editora, mas o ideal é iniciar na área editorial, na qual ele poderá entender as etapas de criação de um livro e participar de várias delas, desde o contato com o autor até o acompanhamento de um livro na sua impressão, na gráfica.

 


2. TRABALHAR COM ORIGINAIS ESTRANGEIROS

O estagiário não vai traduzir livros para a editora, mas trabalhando com originais estrangeiros terá contato com tradutores, adaptadores e copidesques especializados. Entenderá e aprenderá como se seleciona um tradutor para determinado tipo de livro, como se faz uma boa tradução, como se aprova ou não uma tradução. Assim, ele já vai se familiarizando com o processo de tradução e, futuramente, essa poderá ser a sua profissão. Podem surgir pequenos textos a serem traduzidos durante o processo editorial: uma quarta capa, uma sinopse... Não é sempre, mas, se acontecer, é algo que um estagiário pode começar a fazer para auxiliar o editor.

 


3. TRABALHAR COM LITERATURA INFANTOJUVENIL

Essa linha editorial levará o estudante de Letras ao universo literário da linguagem infantil ou juvenil, que inclui a leitura da imagem, algo bastante importante quando se trata de criança. Além da preocupação da leitura e da interpretação de texto e imagem feita pela criança, é preciso se preocupar também com o olhar do educador, que é quem vai definir se o livro pode ser adotado ou não para a escola. Isso, claro, quando a editora entende que o livro editado é destinado ao meio escolar para uso em sala de aula. Acho que os livros infantis, embora difíceis de se trabalhar, são os mais apaixonantes, tanto por seu público-alvo quanto pelos autores e pelos ilustradores – um universo à parte, igualmente apaixonante.

 


4. TRABALHAR COM OBRAS DE REFERÊNCIA

Uma linha editorial bastante interessante para o estudante de Letras é a de obras de referência, como os dicionários. O estagiário poderá ajudar no árduo e envolvente trabalho de profissionais como lexicógrafos, foneticistas e etimologistas. E, ao ver na prática a aplicação de tantos conhecimentos adquiridos em anos de estudos iniciados na faculdade de Letras, quem sabe ele não acabe por escolher uma dessas profissões?

 


5. TRABALHAR COM REDAÇÃO DE TEXTO

Valendo-se da experiência leitora do estudante de Letras e da possível facilidade de redação que essa leitura transmite, o estagiário poderá auxiliar o editor na escritura de textos como release, sinopse, quarta capa e orelhas de livros.

 


6. TRABALHAR COM TAREFAS ADMINISTRATIVAS

Cabe lembrar que as tarefas administrativas passam por toda a equipe editorial, do estagiário ao gerente editorial. A organização de reuniões em feiras internacionais é uma delas. Isso pode parecer uma atividade menor, mas é uma oportunidade de treinar um idioma estrangeiro e de conhecer um pouco melhor o mercado editorial internacional.

 


7. E A REVISÃO?

Essa talvez seja a primeira área, numa editora, em que o estudante de Letras se imagina trabalhando, estagiando ou já formado. Mas para ser revisor, porém, não basta ter o domínio do idioma. Claro que esse é o principal requisito da profissão. Há de se ter conhecimento de técnicas de revisão e, sobretudo, o "olhar de revisor", como costumamos dizer na Editora Melhoramentos, onde trabalho. E isso é algo que se adquire com o tempo, com muito treinamento, fazendo muita revisão. Dividimos a revisão editorial em algumas etapas: copidesque, preparação, primeira prova, segunda prova, batida de emendas, e há especialistas em cada uma dessas etapas. Cada editora tem suas regras e normas de revisão, e cada livro tem suas necessidades específicas, mas no meio editorial adota-se que um livro precisa de, no mínimo, três leituras, feitas por profissionais diferentes. Há muitos cursos de revisão no mercado editorial, e, se essa é uma profissão que o estudante de Letras vislumbra no futuro, aconselho que ele faça esses cursos. É um bom começo.


Um estagiário de Letras não começa numa editora revisando livros. Ele vai inicialmente acompanhar todo o processo de revisão dos livros, entender o que se faz em cada etapa, aprender as normas e padrões da editora. O estagiário terá contato com material revisado por diversos profissionais, ajudando a validar as revisões, já que muitas delas são feitas por revisores terceirizados, contratados especificamente para revisar determinado livro. Com o tempo, o estagiário poderá começar a revisar alguns textos, iniciando na etapa de batida de emendas, depois na etapa de segunda prova e assim sucessivamente. Mas sempre sob orientação do responsável pela revisão da editora, que também vai acompanhar seu processo de aprendizagem.


Enfim, várias são as atividades dentro de uma editora e várias são as possibilidades de aprendizado de um estudante.


Eu já trabalhei com muitos profissionais de Letras. Alguns já chegaram na editora como editores; outros como assistentes; outros, ainda, como revisores ou como estagiários. Em muitos estagiários ajudei a plantar a "sementinha do amor à edição de livros", e vários deles ficaram na editora e conquistaram seu espaço.


Posso garantir que o mercado editorial tem muito trabalho e menos glamour do que se imagina. Tem seus encantos e seus desencantos. Mas quem entra nele dificilmente quer fazer outra coisa na vida!