Importância da leitura na escola

 

Contrabando poético na escola

 

Nunca aprendi a ler poemas na escola. Passei pelo ensino público, pelo privado... e os textos poéticos, quando apareciam, eram vítimas dos clássicos esquartejamentos sintáticos. Um versinho de Vinicius aqui, alguma coisa de Drummond acolá. Tudo oco de sentido. Nada da importância da leitura na escola, nem dentro, nem fora da sala de aula

 

Lembro que, no rodapé de uma prova de inglês (?), no terceiro ano do ensino médio, a professora pôs, sem dizer a autoria, uns versos de Fernando Pessoa. Puxei uma seta e escrevi o nome faltante, orgulhoso de ter reconhecido. A resposta? Ela fez outra seta respondendo: "Você achou que eu não sabia quem era o autor?". O assunto morreu aí. E a importância da leitura na escola?

 

Pois bem, o mundo girou e só fui entender melhor esses textos no pré-vestibular. Aprender a Ler poema, Ler pra valer, com maiúscula, apenas nas aulas da graduação. Principalmente com Eucanaã Ferraz e Teresa Cerdeira.

 

Ainda tô longe de provocar as revoluções literárias que gostaria

 

O mundo continuou girando, me tornei professor de português e voltei para aquele mesmo espaço que, anos atrás, sem saber, considerava tão árido de poesia. Ainda tô longe de provocar as revoluções literárias que gostaria, mas sempre dá para fazer algo.

 

Remexendo em papéis neste final de semana, relembrei que, ano passado, em uma turma de sétimo ano do regular, quando não dava para trabalhar os textos na intensidade que gostaria, optava por artimanhas pedagógicas. Fazia questão de subir minutos antes do recreio terminar, sentava-me e dissimuladamente folheava um livro esperando que eles subissem. Quando chegavam, parava a leitura, seguia para a aula e deixava o livro sobre a mesa, nada falava sobre ele, apenas deixava lá. Era uma isca.

 

Alguns dias depois dessa mise-en-scène, uma aluna pediu o livro emprestado, entreguei dizendo que era "só" um livro com poemas, não iria cair nada daquilo na prova. Dupla isca: destituir a literatura da obrigatoriedade escolar. Conferir e reconhecer a importância da leitura na escola, dentro e fora da sala de aula.

 

assim como não há planejamento infalível, não há fórmula pronta

 

Ela levou, leu e uma semana depois me mostrou um caderno no qual copiou todos os poemas. Era o Livro de sonetos, de Vinicius de Moraes. Ela disse que não tinha entendido tudo, mas que, mesmo assim, havia gostado. O livro circulou pela sala, sempre com a não obrigatoriedade necessária. Nem todos quiseram ler (mas tudo bem), depois fui levando outros e assim seguiu até o fim do ano. Me emocionei (mas disfarcei) quando vi uma aluna no portão, enquanto esperava o pai, lendo uma daquelas edições. Era Florbela Espanca. Fui, então, entendendo o óbvio do clichê docente: assim como não há planejamento infalível, não há fórmula pronta.

 

Às vezes uma abordagem mais tradicional será necessária, às vezes cabe um "contrabando poético", uma subversão do programa, às vezes, tudo pode dar certo, às vezes, dar tudo errado, e a vontade era de não ter saído de casa. Mas docência é isso: riscos, equívocos, acertos, investimento, frustração, vitória e, cotidianamente, apostar que vale a pena tentar novos caminhos. Apesar de tantas pedras no meio.

 

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