Filosofia-da-linguagem

 

A filosofia da linguagem é um conjunto de reflexões de origens distintas: observações dos filósofos a respeito da linguagem. Isso não significa que toda filosofia se interesse necessariamente pela linguagem. O silêncio de Kant quanto a essa matéria se explica por uma atenção exclusiva à universalidade do pensamento: as línguas são arbitrárias, logo, contingentes. Apesar de sua heterogeneidade e de uma evidente falta de consistência teórica do conjunto, trata-se provavelmente do mais importante e mais difícil campo da filosofia.

 

“Como é que me compreendem quando falo e, ainda por cima, como posso ser traduzido para outra língua? Essa questão, evidentemente, tem a ver com a natureza do pensamento”

 

A questão da linguagem afeta aquilo que constitui a especificidade da humanidade e a natureza da racionalidade. Cada campo de nossa experiência é objeto de construções teóricas (aquilo que chamamos de “ciências”), as quais dão lugar a problemas filosóficos delicados:  

(a) o infinito para a matemática;

(b) a estrutura última da matéria para a física;

(c) a natureza da vida para a biologia;

(d) a liberdade para o direito e a moral.

 

Para a linguagem, esses problemas são de duas ordens. A primeira se refere à natureza da significação. Que tipo de entidade é a significação de uma palavra ou de uma frase? De onde vem que a linguagem signifique? A segunda refere-se à universalidade. Como é que me compreendem quando falo e, ainda por cima, como posso ser traduzido para outra língua? Essa questão, evidentemente, tem a ver com a natureza do pensamento.

 

“cada um de nós se encontra imerso na linguagem como em seu lugar natural”

 

Para começar, cada um de nós se encontra imerso na linguagem como em seu lugar natural, ali onde dominamos nossa presença no mundo e nossa humanidade. Disso decorre uma representação espontânea da natureza da linguagem, quase sempre apoiada nos conhecimentos elementares que todo mundo adquire com a gramática escolar. Em seguida, a partir dos sofistas, passando pelas Refutações sofísticas de Aristóteles, a própria utilização da linguagem cotidiana no conhecimento ou na comunicação demonstrou-se minada pela questão das ambiguidades semânticas. Na época moderna, essa crítica viu-se acentuada pelo desenvolvimento das nomenclaturas científicas e pela ideia da necessidade de uma reforma de nossa linguagem cotidiana — que seria ambígua e imprecisa — para adaptá-la às ciências (Bacon, Locke). Finalmente, entre o término do século XIX e a primeira metade do século XX, a construção de linguagens formais destinadas a representar os sistemas lógicos (Frege, Russell) permitiu enfrentar questões que, mesmo apresentando um interesse geral, possuíam um impacto técnico sobre a utilização desses sistemas (calculabilidade, quantificação, significação, atitudes proposicionais etc.).

 

“O homem se define pela linguagem e pela razão, o que significa que, sem linguagem, não haveria racionalidade”

 

No contexto anglo-saxônico, quase sempre “filosofia da linguagem” se reduz ou a discussões técnicas, ou a sua crítica radical pelo viés de uma revalorização da “linguagem comum” (Austin, Moore, segunda filosofia de Wittgenstein, Urmson), e até mesmo pela discussão de problemas ontológicos. Os filósofos da Europa continental, seguindo Husserl, interessaram-se preferentemente pelas condições de possibilidade da própria significação. Ela dependeria de uma propriedade de nossa consciência, a intencionalidade (“toda consciência é consciência é algo”), pela qual nada tem sentido a não ser na visada de uma consciência. A partir daí, abre-se a possibilidade de conceber uma gramática universal a priori.

Nessas condições, parece muito difícil alguém se localizar na complexidade da filosofia da linguagem. Não estamos nem mesmo seguros de poder traduzir os problemas emergentes em um campo para processá-los em outro. O homem se define pela linguagem e pela razão, o que significa que, sem linguagem, não haveria racionalidade. A razão e a linguagem podem ser confundidas como supunham os projetos de língua universal? O que significa para a razão humana o fato de a linguagem nos ser dada sob a forma de uma multiplicidade de línguas diferentes?