Ensino de gramática na escola

 

Saberes gramaticais – Formas, normas e sentidos no espaço escolar

 

Muito do que será dito em Saberes gramaticais – Formas, normas e sentidos no espaço escolar a respeito do ensino de gramática na escola já foi colocado e recolocado por diversos autores, alinhados a diferentes correntes teóricas da linguística. Ataliba Castilho, Carlos Franchi, Celso Pedro Luft, Dante Lucchesi, Irandé Antunes, João Wanderlei Geraldi, Luiz Carlos Travaglia, Magda Soares, Marcos Bagno, Maria Helena de Moura Neves, Mario Perini, Marta Scherre, Rodolfo Ilari, Rosa Virginia Mattos e Silva, Sírio Possenti, Stella Maris Bortoni-Ricardo e tantos outros nomes igualmente conhecidos e importantes já se debruçaram (ou vêm continuamente se debruçando) em discussões sobre o lugar da análise gramatical no espaço escolar, procurando refletir sobre como esse e outros espaços contribuem para excluir do campo de visão dos nossos estudantes os traços mais característicos e proeminentes da língua em uso. O que todos esses autores têm em comum é a clara percepção de que a abordagem gramatical centrada no conservadorismo normativo é um dos grandes responsáveis pelo fracasso da escola no trabalho com a linguagem. Esse fracasso se revela não apenas pelo insuficiente desempenho da maioria dos alunos em práticas de recepção e produção textual, mas também pela persistência, em diferentes setores sociais, de ideias simplistas, ultrapassadas e inconsistentes a respeito do que seja — e de como funciona — a gramática de uma língua.

 

A abordagem gramatical centrada no conservadorismo normativo é um dos grandes responsáveis pelo fracasso da escola no trabalho com a linguagem.

 

Para justificar mais um trabalho sobre o ensino de gramática (e seus problemas), faço aqui uma breve reflexão sobre o que chamo de saberes gramaticais, que dá título ao livro. Este termo pode ser usado para remeter a qualquer tipo de conhecimento sobre a gramática de uma língua, independente da acepção que se assuma para a palavra gramática. Alguns desses saberes fazem parte da tradição associada à disciplina de língua portuguesa, enquanto outros têm tido pouco ou nenhum espaço no contexto escolar.

 

Em Saberes gramaticais, defendo abertamente que as aulas de gramática em âmbito escolar promovam a construção de saberes apoiados no conhecimento natural e intuitivo dos alunos sobre a própria língua. A proposta não é apresentar um roteiro ou um guia sobre como promover a produção de saberes específicos em sala de aula, mas trazer à discussão um conjunto de noções, conceitos e procedimentos que possam auxiliar o professor na tomada de decisões sobre como instigar os alunos a explorar sua própria intuição gramatical no trabalho com diferentes fatos linguísticos. Isso não significa que os livros didáticos devam ser abandonados ou colocados em segundo plano para dar lugar a reflexões exclusivamente intuitivas, mas que a abordagem gramatical apoiada nesses materiais pode ser bastante enriquecida se os alunos forem orientados a refletir sobre o conhecimento linguístico que internalizaram naturalmente no processo de aquisição natural da língua.

 

Isso não significa que os livros didáticos devam ser abandonados ou colocados em segundo plano para dar lugar a reflexões exclusivamente intuitivas.

 

Seguindo esse espírito de procurar subordinar o ensino à aprendizagem, algumas sugestões de abordagem gramatical serão apresentadas ao longo do livro, a maior parte delas resultante de experiências positivas com atividades que pude desenvolver voltadas para dinâmicas de estudo em sala de aula e à elaboração de diferentes materiais didáticos. Essas experiências trazem, como ponto em comum, a ideia de transformar as aulas de gramática em um laboratório de observação e experimentos linguísticos, dentro do qual os alunos possam assumir grande parte da responsabilidade sobre a construção dos próprios saberes gramaticais. A tarefa não é fácil: além da falta de recursos materiais e estímulos positivos para promover um trabalho de boa qualidade no exercício da sua profissão, a maioria dos professores de português se vê, muitas vezes, na obrigação de seguir um conteúdo programático que dá pouca margem à autonomia e à criatividade na abordagem gramatical. A boa notícia é que, ao contrário de áreas como Química e Biologia, não precisamos de equipamentos sofisticados para transformar as aulas de gramática em um verdadeiro laboratório de observação e análise: o material a ser observado — a língua — é totalmente gratuito e está em todo lugar, de modo que o único equipamento necessário à análise é a disposição do aluno para formular generalizações e hipóteses sobre a(s) variedade(s) linguística(s) utilizada(s) no seu dia a dia. Acredite: os alunos são extremamente produtivos quando instigados a trabalhar sobre fatos linguísticos naturais, produzidos cotidianamente sem qualquer obstáculo nos mais diferentes contextos de uso da língua, que são inúmeros!

 

O material a ser observado — a língua — é totalmente gratuito e está em todo lugar.

 

Acredito que Saberes gramaticais possa ser de interesse não apenas dos professores de português (com quem vou dialogar de forma mais direta), mas de todos aqueles que gostam de refletir sobre o trabalho com a gramática da língua no meio escolar, aí incluídos os estudantes dos cursos de graduação em Letras e Linguística, docentes e pesquisadores em áreas das ciências humanas (em especial, ligadas ao campo da educação) e pais de alunos interessados na formação linguística dos seus filhos.

 

Aqueles que, por alguma razão, não acreditarem no valor da proposta aqui apresentada deverão, pelo menos, reconhecer que o aluno, independente do seu nível de letramento ou classe social, é um portador natural dos mais diversos conhecimentos sobre a língua que utiliza, ainda que esses conhecimentos se desviem do que entendemos por norma-padrão. Como professor (caso seja um ou queira se tornar um), você tem a liberdade de menosprezar esse conjunto de conhecimentos ou, ao contrário, ajudar seu aluno a dele tomar consciência para transformar saberes gramaticais específicos em um poderoso instrumento de realização pessoal, transformação social, respeito à diversidade e promoção da qualidade de vida.