Blog da Parábola Editorial

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Regina Celi Mendes Pereira é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2005) e docente permanente no PROLING/UFPB. É bolsista de produtividade em pesquisa 2 do CNPq, líder do GELIT, coordenadora do ATA, membro do grupo Análise da linguagem, trabalho e suas relações (ALTER) da Universidade de São Paulo (USP), editora da...

Regina Celi Mendes Pereira é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2005) e docente permanente no PROLING/UFPB. É bolsista de produtividade em pesquisa 2 do CNPq, líder do GELIT, coordenadora do ATA, membro do grupo Análise da linguagem, trabalho e suas relações (ALTER) da Universidade de São Paulo (USP), editora da Revista Prolíngua e coordenadora da sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e Escritura.

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Resenha: Máscaras e ideologias

Resenha: Máscaras e ideologias

M.M. Bakthin (1895-1975)

 

O que é a verdade? Relativizando o conceito, diríamos que não existe uma verdade única, tanto sob o prisma filosófico quanto científico - não entrarei aqui no plano religioso -, a compreensão do que é verdadeiro é construída com base na nossa percepção, envolta em valores e crenças, portanto, variáveis e idiossincráticas. Paradoxalmente, talvez esteja aí, nesse truísmo, a própria categorização do relativismo do conceito. O contraditório é um princípio da convivência democrática e, sobretudo no contexto acadêmico, esse princípio precisa ser reconhecido e exercido, sob pena de naufragarmos no fundamentalismo cego, incompatível com a noção de ciência e a construção de conhecimento.

Introduzo esta resenha com tais obviedades para chamar a atenção para um certo valor de verdade que tem pautado estudos e reflexões nas ciências humanas no país, mais especificamente na Linguística, área em que me insiro. Não tratarei aqui de generalizações, mas de casos específicos, embora não únicos, referentes à publicação de dois livros aqui no Brasil que trazem à tona perturbadoras verdades, inverdades e mitos que foram sendo construídos ao longo do tempo sobre o legado Bakhtiniano.

O primeiro, Bakhtine démasqué: histoire d’um menteur, d’une escorquerie et d’um delire colectif, publicado por Jean-Paul Bronckart e Cristian Bota, em 2011, em Genebra, e no ano seguinte, traduzido no Brasil como Bakhtin desmascarado: história de um mentiroso, de uma fraude, de um delírio coletivo. O livro divulga os resultados de uma criteriosa pesquisa documental bibliográfica, associada a um estudo hermenêutico e comparativo das obras de Valentin Volochinov, Mikhail Bakhtin e Pável N. Medviédev. Em linhas bem gerais, pois é impossível tratar aqui em detalhes de tudo o que é discutido em um livro de 509 páginas nesta crônica-resenha despretensiosa, os autores defendem a tese de que não pode ser creditada a Bakhtin a autoria de Marxismo e Filosofia da Linguagem, Freudismo, Discurso na Vida e Discurso na Poesia e O Método Formal nos Estudos Literários, cujos autores seriam, respectivamente, Valentin Volochinov, dos três primeiros, e Medviédev, do último. Segundo Bronckart e Bota, essa campanha começou a ser construída em 1961, quando dois jovens cientistas russos descobriram que Bakhtin, o autor de Rabelais e Dostoievsky, estava vivo e lançaram-se a editar e a reeditar essas obras e a também, simultaneamente, construir o mito que foi fortalecido com a publicação no ocidente de Marxismo e Filosofia da Linguagem (publicado originalmente em Leningrado e assinado por Volochinov, em 1929), pelas mãos de Roman Jakobson na década de 1970. Misteriosamente, nessa nova edição, foi acrescentado o nome de Bakhtin como autor principal e o nome de Volochinov passou a constar tão somente dentro de um suspeito e insidioso parênteses. Dessa data em diante e, principalmente, no decorrer dos anos de 1980-1990, uma campanha falaciosa passa a ser divulgada nos Estados Unidos e na França, devido ao empenho de Clark e Holquist (1984), consolidando-se definitivamente no ocidente.

 

Até aí, nenhum problema, trata-se de uma tese, segundo meu ponto de vista, exemplarmente documentada e fundamentada, mas ainda assim, plena de possibilidades de ser rebatida e contradita, quando igualmente sustentada em argumentos e evidências. O que me leva a recuperar essa questão, decorridos quatro anos da publicação do livro aqui no Brasil? O que se viu no contexto acadêmico foi uma completa indiferença à obra por quase totalidade dos bakhtinianos, não só dos mais ortodoxos, contrariando o princípio da responsividade enunciativa, conceito tão marcante na teoria do próprio Bakhtin. O exercício do contra-argumento acadêmico responsável cedeu lugar ao silenciamento e, em menor proporção, à crítica emocional e depreciativa da obra, algo tão comum na nossa cotidianidade, mas inaceitável na esfera acadêmica. Outro aspecto igualmente importante e que tem sido sistematicamente ignorado diz respeito ao reconhecimento de que, na verdade, não foram Bronckart e Bota os pioneiros em questionar a autoria dessas obras. Louis-Jean Calvet, por exemplo, em 1975, já defendia a mesma tese, ou seja, algo já anunciado há 35 anos antes da publicação da obra dos genebrinos não poderia configurar, obviamente, um fato “novo”, mas só confirma o apego a certas verdades e não a outras. A autoria de Volochinov era plenamente reconhecida, como se pode ver no seguinte trecho, “O que mais espanta aqui é que Volochinov, além da sua vontade de ancorar o fato linguístico na prática social, formula ao mesmo tempo uma crítica da linguística estrutural que ainda não existia (estamos em 1929)[...](CALVET, 1975, p.76)”.

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