Blog da Parábola Editorial

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Doutorando em Estudos de Linguagem na Universidade Federal Fluminense (UFF), em cotutela na Universidade de Santiago de Compostela (USC), com bolsa pelo Programa Capes/PrInt. Tem mestrado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde também se graduou em Letras/Português. É professor do Instituto Federal do...

Doutorando em Estudos de Linguagem na Universidade Federal Fluminense (UFF), em cotutela na Universidade de Santiago de Compostela (USC), com bolsa pelo Programa Capes/PrInt. Tem mestrado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde também se graduou em Letras/Português. É professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), Campus Vitória, há 10 anos, onde atua em disciplinas de Linguística, Língua Portuguesa e Língua Espanhola.

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Morrer DE ou morrer COM? Ideologia na causa mortis

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Carlos Eduardo Deoclecio

 

Quando passei pela escola nos anos 1990, as preposições eram apresentadas numa listinha que memorizávamos com base num dispositivo matemático: as 18 preposições essenciais (a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, per, perante, por, sem, sob, sobre, trás), aquelas que em tese só funcionam como preposição na língua — Bechara (2015) não inclui após e per entre as essenciais. Cunha e Cintra (2017) mantêm após entre elas e colocam per ao lado de por, o que Bechara também faz. Os professores não nos diziam por que algumas eram chamadas essenciais e outras acidentais — aquelas que eventualmente funcionam como preposição, como exceto e mediante. Mas também nunca perguntávamos, porque existia um harmonioso contrato de reprodução do conhecimento institucionalizado nesse estado de coisas. Também fazia parte desse esquema não receber explicações nem perguntar como usar ante, per, perante e trás. Existe ideologia nisso?
 

Em gramáticas, a classe das preposições é apresentada como um conjunto de palavras (ou vocábulos) ou unidades linguísticas desprovidas de flexão de número e gênero, invariáveis na forma, portanto. Funcionam como unidades relacionais entre nomes e também entre orações, estabelecendo entre esses elementos relação de subordinação: em caixa de sapatos, a preposição de, ao relacionar os substantivos caixa e sapatos, de modo a especificar o primeiro, contribui para a hierarquização sintática em que o consequente sapatos se subordina ao antecedente caixa.
 

Às vezes nos confrontamos com o emprego de algumas preposições. Vejamos alguns casos:

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¡Resistiré! Canções contra o coronavírus

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Carlos Eduardo Deoclecio

No momento em que alguns governos europeus, como os da Alemanha, Itália, Espanha e de Portugal iniciam um processo de relaxamento da quarentena em função da pandemia do novo coronavírus, “resistir”, do latim resistĕre, e outras formas linguísticas daí derivadas ou com sentido aproximado têm sido usuais, em línguas diversas, nas manifestações discursivas de enfrentamento cotidiano. (Já abro parênteses iniciais: entre os falantes do espanhol peninsular, a palavra usada para relaxamento tem sido desescalada, que dia desses um debatedor de um programa do canal televisivo La Sexta disse não existir. Se ela é empregada, como não existe, hombre? Ah, não está dicionarizada… o que para muitos é correspondência direta da inexistência de uma forma linguística, mesmo que ela esteja em pleno uso e seja bem compreendida entre os pares da comunidade linguística.)

Voltemos a “resistir”. Uma das formas de resistência constatada tem sido a expressão musical, seja nas várias lives de artistas mundo afora, seja, ainda, na escolha de canções representativas para circular pelos diferentes espaços de isolamento social (ou não). Na França, La tendresse (“A ternura”), de 1963, foi a escolhida. Na Itália, Rinascerò, rinascerai (“Renascerei, renascerás”) tem sido propagada. A Espanha, de um modo geral, elegeu Resistiré como uma espécie de hino em meio a essa situação adversa. Ao lado dos aplausos, boa parte da população entoa ou reproduz em algum aparelho o sucesso de 1988 do Dúo Dinámico (Manuel de la Calva e Ramón Arcusa), nas sacadas, varandas e janelas de casas e prédios, às 20 horas, como homenagem e agradecimento ao duro trabalho cotidiano dos profissionais de saúde nas clínicas e nos hospitais, e também como expressão da esperança de um ansiado retorno à vida comum depois do fim da pandemia, ainda uma grande interrogação.

Inspirada no título do discurso do escritor galego Camilo José Cela ao receber o Prêmio Príncipe de Astúrias, em 1987 — “En España, el que resiste gana” (“Na Espanha, quem resiste, ganha/vence”) —, Resistiré tem música de Manuel de la Calva, membro do Dúo, e letra de Carlos Toro Montoro, que a dedicou ao pai, preso durante a ditadura franquista. Há quem diga que Resistiré seria uma versão em língua espanhola da canção I will survive, de 1978, largamente conhecida na voz da cantora norte-americana Gloria Gaynor. No entanto, faltam evidências de que tenha sido mesmo essa a origem de Resistiré, além de a música e a letra em língua inglesa não terem correspondência direta com o produto artístico que conhecemos em espanhol. Mesmo assim, a própria Gloria foi a intérprete da versão oficial de sua canção na lengua de Castilla, intitulada Sobreviviré.

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“O” Covid-19 ou “A” Covid-19? Fatos linguísticos em tempos de pandemia

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A intuição linguística não é um recurso valioso somente para aqueles que lidam cientificamente com os fatos da língua, os linguistas, como também para os usuários em geral. Exemplo disso é o tratamento que damos, especialistas ou não, ao gênero gramatical dos substantivos da língua que crescemos falando ou mesmo de uma língua estrangeira. Em línguas românicas como o português, o espanhol e o galego, impera a tendência geral de que palavras terminadas em -o são masculinas, o livro, el libro, o libro, e as terminadas em -a são femininas, a casa, la casa, a casa, respectivamente. Há, certamente, casos nas línguas que não seguem essa tendência, pois existem nomes com tais terminações que podem pertencer aos dois gêneros ou ser de gêneros opostos ao que se espera. Além disso, não vou entrar aqui no pormenor de -o ser vogal temática e -a ser desinência de gênero, porque não é o objetivo. Por outro lado, os substantivos terminados em outras vogais e em consoantes podem ser de um ou de outro gênero — a ponte, el puente, a ponte / o sol, el sol, o sol — ou, ainda, de ambos.

 

Voltando à questão da intuição, na região de onde sou, no norte do estado do Espírito Santo, e acredito que em muitas outras partes do Brasil também, é muito comum ouvir “o alface de hoje tá murcho”, ou “o couve ficou muito bom”, quando nos dicionários, nas gramáticas e na escola aprendemos que essas palavras terminadas em -e são femininas. Depois dessa informação, muitos de nós adotamos o gênero dado como oficial, ou passamos a variar entre uma forma e outra, ou, ainda, podemos manter o uso anterior ao da escolarização. Um caso interessante é o da palavra caçula (o/a filho/a mais novo/a), que, apesar de também dicionarizada como caçulo, conforme o Houaiss e o Aurélio (pressão do uso?), tem sido considerada a forma padronizada e pode ser empregada para os dois gêneros, sem a alteração da vogal final, com a mudança do artigo que a antecede: o caçula /a caçula, o filho caçula / a filha caçula. Sou o filho mais novo dos sete que meus pais tiveram, e minha mãe, com apenas quatro anos de escolarização, mas dotada de intuição e sentimentos linguísticos como qualquer um de nós, sempre diz que sou “o caçulo”, porque na cabeça dela o homem é o caçulo, e a mulher é a caçula.

 

Fiz essa breve introdução porque, dado o contexto de pandemia que estamos vivendo, tem me deixado curioso o gênero gramatical atribuído a Covid-19, principalmente nos usos feitos por órgãos oficiais e imprensa, falada e escrita. Covid-19 é uma sigla em inglês para a doença causada pelo vírus Sars-CoV-2 (também uma sigla vinda do inglês), que desdobrada significa Coronavirus disease 2019, isto é, uma doença causada pelo coronavírus descoberto no ano de 2019. No momento, estou na Espanha, mais precisamente na Galiza, em Santiago de Compostela. Naturalmente, tenho ouvido e lido as notícias sobre o novo vírus e suas “peripécias” em galego e em espanhol, as duas línguas oficiais da Comunidade galega. Por isso, se tornaram comuns aos meus ouvidos e olhos as formas o Covid-19 (galego) e el Covid-19 (espanhol), ambas tratadas como masculinas, portanto.

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Visitantes — Pedro Silva
Por acaso, o autor teve curiosidade em saber como se diz e escreve em português de Portugal? Estranhamente, nenhuma referência no ... Leia Mais
Terça, 07 Abril 2020 15:06
Visitantes — Cinthia
E por que seria estranho que o autor não tenha mencionado o termo no português de Portugal? Ele também não o mencionou no castelha... Leia Mais
Sexta, 12 Junho 2020 19:02
Visitantes — Mauricio
Muito prolixo! Sem poder de síntese
Sexta, 08 Mai 2020 13:04
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