Atividades e tarefas escolares na aula de Língua Portuguesa
  

O que são atividades, tarefas ou exercícios na aula de Língua Portuguesa?

 

Parece provocação, mas precisamos revisitar o óbvio: o que são atividades, tarefas ou exercícios na aula de Língua Portuguesa? Utilizamos essa nomenclatura há muito tempo e agimos como se os sentidos estivessem estabilizados e como se todos, iniciantes e veteranos, ao usarem as mesmas expressões, se referissem aos mesmos objetos. Na realidade, porém, a elaboração de atividades e tarefas ou exercícios na formação do professor de português é um aspecto não tematizado como parte de um saber profissional.

 

Sem dúvida, elaborar atividades e tarefas ou exercícios é inerente à atuação docente. Mas em que momento da formação inicial esse aprendizado é sistematizado? A crença tácita na área é a de que os professores de Prática de Ensino ou os orientadores/supervisores de estágio devem se encarregar de ensiná-lo. A depender de como essa etapa da formação está organizada, espera-se que o(s) professor(es) de Didática tenha(m) abordado tal assunto em suas aulas. Mesmo que os professores de prática de ensino ou supervisores de estágio docente assumam a responsabilidade de ensinar a seus estagiários como formular exercícios, o tempo é quase sempre reduzido e são elaboradas poucas atividades. A observação geral sobre nossa atuação tem demonstrado que tal sistematização deveria começar desde as primeiras disciplinas da licenciatura.

 

é elaborando atividades que o professor aprende a elaborar atividades!

 

De modo geral, não se tem ensinado a formular atividades. Não são raros exemplos de desconexão entre a teoria supostamente defendida pelo licenciando ou professor e os exercícios que a materializam. Na área de língua portuguesa, por exemplo, é comum o professor dizer que trabalha com a noção de análise linguística e apresentar exercícios que focalizam apenas a identificação sumária de elementos gramaticais. Apontado ou identificado o equívoco a partir da maturidade conquistada com o fazer docente, a experiência nos diz que é elaborando atividades que o professor aprende a elaborar atividades!

 

Parece que o domínio dessa habilidade é parte do saber experiencial da atuação docente. Parece também ser comum o repasse de exercícios de um professor para outro, muitas vezes desconsiderados os aspectos relativos às especificidades de cada escola, turno, turma e alunos. Ao criticarmos essa prática, já assumimos que as atividades escolares são eventos de letramento localmente situados, i.e., são atividades que só têm sentido quando são levados em consideração interlocutores específicos em seu processo de ensino-aprendizagem. Quando esse contexto não é considerado, a ação resulta em insucesso, que não tem sido visto como uma falha da formação inicial ou das condições de trabalho, mas como uma incompetência do professor, que a atribui aos alunos, alegando, por vezes, que eles não sabem ler enunciados ou seguir instruções.

 

Passou da hora de encarar que uma das maiores dificuldades da vivência da profissão está justamente na elaboração de atividades. De modo geral, a solução que vemos ser apresentada em todas essas circunstâncias tem sido a cópia de atividades presentes em livros didáticos (LD) e questões de processos seletivos, entre eles o ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio), que às vezes apresentam-se muito problemáticas. No que diz respeito a exercícios de compreensão de leitura, nem mesmo os livros didáticos são exemplares coerentes de exercícios bem elaborados e teoricamente sustentados.

 

Ler bem é muito mais do que saber identificar o tema, a tese ou o eu lírico de um texto

 

É preciso deixar claro: antes de ser assistemática, a elaboração de atividades está vinculada ao objetivo que o professor pretende atingir com a atividade. Por isso, é importante levar em consideração os níveis de complexidade da tarefa a ser executada pelos alunos.

 

Do ponto de vista linguístico, os enunciados são sequências injuntivas que fazem os alunos agir em determinada direção e são marcadas pela presença do imperativo ou de outra forma verbal que as apresente; são também sequências que apresentam uma ação simples ou regulada por um modo de ação. Do ponto de vista enunciativo, essas sequências apontam para ações, seja a de indicação de conhecimento metalinguístico, de posicionamento discursivo ou ainda a reprodução de conteúdo, podendo as duas últimas aparecerem associadas. Tendo em vista essas características, acreditamos que o professor pode elaborar enunciados que favoreçam a avaliação do processo de ensino-aprendizagem, quer se utilize de questões discursivas quer de múltipla escolha.

 

Acreditamos que possibilidade é interligar atividades de leitura a atividades de análise linguística, de modo a levar à apreciação da composição textual em favor dos propósitos do usuário da língua. Ler bem é muito mais do que saber identificar o tema, a tese ou o eu lírico de um texto, é também ver como o autor o enuncia, que efeitos de sentido cria, como usa os recursos linguísticos para seus propósitos colonizadores. Nesse sentido, atingimos a dimensão discursiva da leitura, que não pode ser mera indicação de pontos de vista sem fundamentação na materialidade linguística. Dimensão essa que se revela do outro lado, quando o leitor se coloca como produtor de texto.