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Marcos Marcionilo

O livro digital sempre levantou muitas questões e continua a fazê-lo. De todos os teores. Da paginação ao DRM. Por causa de tantas questões é que vimos, aqui na editora, refletindo sobre a conversão [termo bem polissêmico, simultaneamente religioso e técnico…] de nosso catálogo ao formato digital desde o final da primeira década dos anos 2000. Andréia Custódio e eu, sócios igualitários na editora, sempre olhamos para o alto, para baixo, para os lados, para dentro, tentando decifrar as sempre densas nuvens do mercado editorial brasileiro em busca do momento propício para a incontornável conversão digital de nossos títulos [sempre soubemos que essa medida seria inevitável]. Várias agregadoras nos procuraram nesses dez anos de ‘discernimento’ [para usar uma palavra antiga e também religiosa!], mas o que todas elas iam semeando em nosso espírito eram dúvidas, dúvidas e mais dúvidas.

E o tempo passando [vocês têm também a sensação de que o tempo se acelera?], as questões se avolumando, e a gente olhando para o mercado em busca de mensurar qual a aceitação, qual a presença, qual a participação dos livros digitais no total de aquisição de títulos. Nossa base de leitores nunca manifestou, em porcentagem significativa, ter aderido ao livro nesse formato. Todas as consultas sobre títulos digitais vinham sempre [nesses anos todos] de poucos leitores, especialmente de outros países: professoras brasileiras de português como segunda língua, professores estrangeiros de português em busca de material, linguistas pesquisando em língua portuguesa, sempre poucos e localizáveis, mas já uma força pressionando em favor da conversão.

Outro fator latente no nosso ‘discernimento’ de tantos anos era o fundo de catálogo. Como estamos editando desde 2001, temos os livros que permanecem como de interesse para a maior parte de nosso público [e seguem sendo reimpressos, mesmo em tiragens menores] e aqueles que perdem público horizontalmente, mas subsistem como leitura necessária para especialistas. Esses constituem o “fundo de catálogo”. Por aí começamos. Ali por 2012, pedimos autorização aos autores com obras de fundo de catálogo para a digitalização desses títulos. Todos aceitaram imediatamente, mesmo porque, àquela altura, esperávamos que os e-books viriam a se tornar, em circulação e vendas, mais percentualmente expressivos do que jamais vieram a ser. Contudo, já tínhamos ali contratos que nos permitiam adentrar os novos tempos: a tão falada era digital.

Vão vendo…

E então MarcosBagno e Orlene Carvalho surgem com um título “brasileño” que, por sua concepção mesma, não funciona cem por cento em papel e funcionará melhor simultaneamente em papel e em formato digital: A Gramática brasileña para hablantes de español [2015]. Naquele momento, pensamos que a demanda por esse título específico se faria sentir mais em formato digital, levando-nos ao momento da conversão. Mas ela não aconteceu àquela altura. O livro seguiu então sua carreira em papel, circulando prioritariamente no Brasil, a despeito de seu potencial de mais amplo alcance.

“Y así seguimos andando.” Esperávamos uma evolução significativa da demanda por livros digitais desde 2010, ano em que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) passou a promover o Congresso Internacional do Livro Digital (em seis edições, de 2010 a 2016). Participamos das duas primeiras edições e, ainda assim, sem elementos de decisão, que dependiam do mercado, dos leitores.

Já será possível vocês perceberem que, dado o tamanho do investimento, uma pequena editora como a nossa só poderia apostar na digitalização diante de uma demanda consistente. E ela não acontecia, não acontecia… Os autores que nos autorizaram fazer a conversão de seus títulos até desistiram, pensando que havíamos deixado o projeto [e os livros deles!] de lado. O que não é verdade. Continuávamos à espreita.

Por outro lado, o comércio eletrônico de livros no exterior aumentava de volume nesse período, levando-nos a ficar atentos ao mercado de língua inglesa [com dinâmica própria, mas, mesmo assim, merecedora de atenção constante]. No restante do mundo, países com os quais também mantemos colaboração editorial [por exemplo, Espanha, Itália e França] seguiam sem mudança expressiva na demanda por e-books [até hoje, lemos a amazon.fr pedindo aos leitores que pressionem suas editoras a fornecerem seus títulos também digitalmente]. E nós? O tempo todo em busca de um modelo de distribuição online e de digitalização de livros. Sabíamos de nosso encontro marcado com esse ponto de virada.

Essa transformação no campo da edição de livros tem, desde sempre, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha à frente. Entre 2011 e 2012, o market share dos livros em formato digital subiu de 6% para 25% nos EUA. Naquele momento, mais ou menos quando o Kindle e a Kobo chegavam ao Brasil, esperava-se que a mudança se replicasse no Brasil na mesma proporção. Contudo, entre nós e eles, há mais diferenças do que automatismos [algo impossível quando se trata de cultura]. O crescimento do mercado de livros digitais entre nós nunca chegou ao patamar de 20%, o que nos fazia seguir à espera.

Por outro lado, a economia do livro já vinha, desde antes, sendo modificada por outras tantas razões que não teremos espaço para discutir aqui. Fato é que o mundo digital veio se sobrepor a nossa crise histórica e cultural. Por isso, para encurtar a história, chegamos à pandemia da Covid-2020, quando as livrarias fecharam durante grande parte do ano, num ato “conclusivo” do encurtamento de nossa cronicamente deficitária rede de distribuição. Foi então que nos vimos levados a pensar no livro digital como possibilidade e com urgência, uma vez que vivemos de e para os livros a que nossas leitoras e leitores recorrem para se formar e trabalhar há quase vinte anos [em 2021, celebraremos o 20º aniversário de nossa Parábola].

A essa altura, na perspectiva econômica, tanto as pequenas tiragens quanto a conversão digital de nossos livros já tinham se tornado uma possibilidade cem por cento viável. Era a hora!

Portanto, é esse percurso histórico que nos permite anunciar hoje a vocês que a Parábola Editorial é, a partir deste novembro de 2020, uma editora digital. O digital não se opõe nem elimina o formato papel; a ele se soma. Nesse momento Ensaios de filosofia da linguística, A linguística que nos faz falhar, Sistema, mudança e linguagem [se lembram dos autores que concordaram, desde nosso primeiro pensamento, em se tornarem digitais conosco?] estão sendo preparados para a tão esperada conversão. Gramática brasileña para hablantes de español se prepara para, finalmente, alçar voos em busca da hispanofonia interessada no português brasileiro. A editora está transformada num canteiro digital de obras: em colaboração com a Kindle, a plataforma na qual decidimos apostar, estamos convertendo e fazendo converter títulos e mais títulos a cada semana. Em nosso 20º aniversário, seguramente seremos uma editora cem por cento digital, sem deixar de investir no papel [mesmo diante dos aumentos diuturnos movidos pelo arriscadíssimo preço do dólar americano]. O crescimento da demanda por e-books no maior mercado mundial parece ter se estabilizado no mesmo nível de 2011/2012, mas a pandemia de 2020 certamente estará produzindo alterações que ainda estão para ser traduzidas em números diferentes disso tanto lá quanto aqui.

Fato é que hoje, 3 de novembro de 2020, já contamos com 32 livros digitais disponíveis no Kindle, ao alcance de leitores do mundo todo interessados em Letras, Linguística, Filosofia da Linguagem. Desde outubro, 10% de nosso catálogo passaram a poder ser lidos no mundo inteiro. E isso é só o começo. Em muito breve, 100% de nosso cuidado acervo já estarão disponíveis. E nisso, uma coisa aprendemos:

(1) Papel e digital conviverão por um tempo de duração ainda não mensurável.

(2) Enquanto editora, o centro de nossa atividade é a mediação de conteúdo, é a produção editorial dos projetos e ideias de nossas autores e autores.

(3) As plataformas poderão e certamente mudarão.

(4) O momento que vivemos altera em grande medida nosso modo de produzir conteúdo.

(5) A aquisição de livros em papel se faz, cada dia mais, em ecommerces, assim como os e-books começaram a ser mais buscados [segundo testemunhos em fóruns de discussão de editores] mais expressivamente durante e certamente depois da pandemia.

Diante então dessa dimensão digital na produção e na circulação de nossos conteúdos, finalmente, minha sócia e eu chegamos, depois de dez anos de reflexão, à tão esperada e desde sempre inevitável decisão: por vocês, passamos a ser também a Parábola digital, com e-books, cursos, conteúdo gratuito nas redes sociais [sempre brinco sério dizendo: “Doravante, estamos condenados às redes sociais”].

Agora vocês podem estar conosco no papel, no celular, no tablet, nas redes sociais, no Youtube, nos leitores eletrônicos de sua escolha. Não importa! Uma coisa é certa: na velocidade em que se move o mundo, nada nunca será como antes. Só esperamos poder seguir juntos.

À véspera de nossos vinte anos, então, em meio a todas as dificuldades do custo Brasil, um brinde me vem à mente: “Ao futuro!”. As estatísticas dizem que o mercado de livros digitais brasileiro parte de 0,02%, mas afirmamos que ele se projeta para um limite que ainda não se enxerga. Vamos, então, atrás dessa nova fronteira.